Bolsonaro quebrou o Brasil e deixou a conta para Lula
30 de maio de 2025
imagem: Jornal GGN
texto: Maria Luiza Falção
O teto de gastos foi criado em 2016 para limitar o crescimento das despesas públicas durante o governo do presidente Michel Temer .
Durante o governo de Jair Bolsonaro (2019–2022), o então ministro da Economia, Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga” prometeu: liberalismo na economia, responsabilidade fiscal, privatizações, corte de gastos, um Estado mais enxuto e reformas estruturais. Na prática, o que se viu foi o oposto — especialmente nos estertores do governo Jair Bolsonaro. Em 2022, às vésperas da eleição presidencial, Guedes endossou um conjunto de medidas que feriram gravemente a saúde fiscal do Brasil, rompendo com o teto de gastos do qual se colocava como um guardião, em uma tentativa desesperada e desavergonhada de reeleger Bolsonaro.
Relembrando, o teto de gastos foi criado em 2016 para limitar o crescimento das despesas públicas durante o governo do presidente Michel Temer, por meio da Emenda Constitucional nº 95. Essa emenda estabeleceu que, por 20 anos, os gastos federais primários (ou seja, as despesas totais excluindo o pagamento de juros da dívida) só poderiam crescer conforme a inflação do ano anterior. O objetivo, segundo o então ministro da Fazenda Henrique Meirelles, era conter o crescimento da dívida pública e restaurar a confiança fiscal. A proposta ficou conhecida como a PEC do Teto dos Gastos, aprovada pelo Congresso em dezembro de 2016 e amplamente divulgada e aceita pela equipe de Guedes, numa atitude de acordo com a hipocrisia da frase “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.
O plano de Guedes/Bolsonaro falhou nas urnas, mas o estrago ficou — e a conta, como sempre, sobrou para o governo seguinte. Coube a Fernando Haddad, ministro da Fazenda do governo Lula, o papel ingrato de conter a sangria e reconstruir a credibilidade.
O rombo eleitoral
A manobra mais emblemática de Guedes foi a aprovação da PEC dos Benefícios, também conhecida como PEC Kamikaze. O nome não é exagero: foram R$ 41 bilhões em gastos extraordinários, totalmente fora do teto de gastos, aprovados a apenas três meses da eleição.
A PEC aumentou o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 (Bolsa Família), criou auxílios para caminhoneiros (R$1000) e taxistas (R$200), e turbinou programas sociais de forma emergencial — mas estrategicamente limitados até dezembro de 2022. A emenda autorizou, também, isenção de tributos sobre combustíveis (com perdas de arrecadação bilionárias para União, estados e municípios).
O objetivo era claro: melhorar a percepção do governo junto aos mais pobres, nichos fundamentais em uma eleição apertada. A motivação social era legítima, mas a forma e o momento revelaram o caráter oportunista. Bolsonaro comprou popularidade com dinheiro público e sem planejamento — numa afronta “à âncora fiscal do país”, por eles tão defendida, e às normas de uma eleição democrática onde comprar voto é crime.
O teto desfigurado
Bolsonaro e Guedes, que prometeram respeitar o teto de gastos, passaram os quatro anos tentando driblá-lo.
Ao todo, o governo Bolsonaro editou ou apoiou mais de 30 manobras para contornar o teto, segundo levantamento do Tesouro Nacional. A PEC de 2022 rompeu o teto por via constitucional. A credibilidade do arcabouço fiscal ruiu. O resultado foi a elevação dos juros futuros, a deterioração da percepção de risco do Brasil, a saída de capitais e uma escalada na dívida pública.
A Petrobras e o populismo energético
Outro pilar da manipulação eleitoral foi a pressão sobre a Petrobras e a política de preços dos combustíveis. A estatal sofreu intervenções políticas diretas, com quatro trocas de presidentes em quatro anos. O governo forçou a companhia a recuar nos repasses de preços internacionais ao consumidor, o que afetou a rentabilidade da empresa e sua governança.
Além disso, a União promoveu isenções bilionárias de tributos federais sobre combustíveis (PIS/Cofins e Cide), além de incentivar os estados a reduzirem o ICMS. Tributos federais foram zerados sobre gasolina, etanol e diesel, sem compensações orçamentárias. A renúncia fiscal chegou a R$ 52,9 bilhões só em 2022, segundo a Receita Federal.
Medidas de alívio imediato, mas com forte impacto na arrecadação, sem compensações fiscais. Mais uma vez: uma política voltada à reeleição, não à estabilidade econômica.
Banco Central independente e aliado do mercado financeiro
Roberto Campos Neto, então presidente do Banco Central, não foi uma vítima técnica da política econômica desastrosa de Guedes e Bolsonaro — foi um agente participante. Com sua postura leniente, omissa e ideologicamente alinhada, contribuiu diretamente para a “quebra do Brasil” ao:
- Validar a política fiscal eleitoreira de 2022;
- Não atuar com firmeza para conter a instabilidade macroeconômica;
- Usar a autoridade do Banco Central para blindar interesses políticos e do mercado financeiro;
- Implementar uma política de juros exorbitantes, um dos maiores do Mundo, para combater uma inflação que, na realidade, se mostrou como provocada pelo lado da oferta e não da demanda, como ele defendia, inibindo investimentos e empregos. Política de juros altos não são recomendados para o combate a inflações de oferta.
A autonomia formal do Banco Central (BC), sancionada em 2021, vista como um avanço institucional, na prática, serviu para blindar Campos Neto de cobranças democráticas enquanto ele colaborava com o projeto político do governo Bolsonaro. O BC passou a atuar de forma desconectada da realidade socioeconômicae mais alinhada aos interesses do mercado financeiro, que se beneficiou com os juros altos e a valorização da dívida pública.
Isso consolida o argumento de cumplicidade funcional e estratégica com a elite política e econômica do governo Bolsonaro.
Em 2022, o Brasil foi o país que mais pagou juros sobre a dívida pública, com um custo equivalente a 8,03% do PIB, de acordo com o FMI. Os gastos do governo federal com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública somaram R$ 1,879 trilhão, representando 46,3% do Orçamento Federal Executado. A Dívida Pública Federal (DPF) aumentou 6% em relação ao ano anterior, atingindo R$ 5,95 trilhões.
Legado para Haddad: ajuste às pressas, pressões de todos os lados
Com a derrota de Bolsonaro em 2022, o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva precisou negociar com o Congresso – onde a direita obteve maioria expressiva -, a chamada PEC da Transição, para garantir recursos mínimos para manter os benefícios sociais e a máquina pública funcionando em 2023.
Quando Fernando Haddad assumiu o Ministério da Fazenda em janeiro de 2023, deparou-se com:
- Um déficit projetado de mais de R$ 170 bilhões, potencializado pelo pagamento de R$ 92 bilhões em precatórios não pagos pelo governo anterior;
- Benefícios sociais sem previsão de orçamento para além de 2022;
- Uma máquina pública engessada e sem espaço fiscal para investimentos;
- Pressão por mais gastos sociais pela vitória do Partido dos Trabalhadores;
- Um programa vitorioso nas eleições para implementar que previa investimentos públicos como indutor do crescimento;
- Um Congresso pressionando por mais gastos (em grande parte eleitoreiros) sob a forma de vultuosas emendas parlamentares (orçamento secreto) muitas vezes sem controle e desnecessárias, e menos impostos;
- Um Congresso alinhado com os anseios do mercado financeiro;
- Um mercado cético sobre a capacidade do novo governo em retomar a disciplina fiscal, mas defensor de juros altos para financiar a dívida do governo.
A resposta foi a construção do novoarcabouço fiscal, que substituiu o teto por um regime um pouco menos restritivo, atrelado ao crescimento das receitas. Fixou metas de resultado primário (zerar o déficit em 2024, superávit em 2025), com bandas de tolerância. Mas o cenário herdado era tão crítico que, em 2024, o próprio presidente Lula sinalizou na direção de flexibilizar a meta.
A meta de déficit zero para 2024 – inicialmente defendida por Haddad – esbarrou na realidade recebida do governo anterior: renúncias tributárias sem revisão, gastos sociais expandidos sem financiamento, e um ambiente político hostil e conservador que exige constantes ‘negociações’ com o Congresso para aprovar qualquer medida fiscal de impacto.
O discurso liberal e a prática populista
A maior contradição do governo Bolsonaro foi vender uma imagem de ortodoxia econômica enquanto praticava uma política fiscal expansionista, mas desprovida de um projeto de país que a embasasse, desordenada e eleitoreira. Paulo Guedes, que se apresentava como o “Posto Ipiranga” de soluções de mercado, foi cúmplice de manobras típicas do velho fisiologismo político brasileiro.
É legítimo e necessário que o Estado atue em prol de um projeto de desenvolvimento sustentável e inclusivo e de forma mais intensa em momentos de emergência social — como na pandemia por Covid-19, por exemplo. Mas o que se viu em 2022 foi o vergonhoso uso da máquina pública em benefício eleitoral, em detrimento da responsabilidade com o futuro.
A consequência foi direta: a perda de confiança dos agentes econômicos, elevação dos juros futuros, valorização do dólar e alta do risco-Brasil.
O preço da irresponsabilidade
“Não existe almoço grátis.” dizia Paulo Guedes, ministro da Economia (2019–2022).
A ironia é inevitável: o homem que mais repetiu essa frase durante o governo Bolsonaro acabou servindo o maior “banquete fiscal” do período democrático — quebrou o País. E quem está pagando a conta é Fernando Haddad, ministro da Fazenda do governo Lula.
Paulo Guedes foi apresentado como o fiador do liberalismo. Na prática, foi instrumento de um governo populista, que distorceu princípios econômicos para fins eleitorais. A promessa de “menos Brasília e mais Brasil” terminou com Brasília gastando sem controle — e o Brasil pagando a conta. O liberalismo da dupla virou populismo barato.
A tentativa de reeleição de Bolsonaro custou caro ao Brasil — e não apenas em reais e impôs ao novo governo o desafio de equilibrar contas fragilizadas com demandas sociais urgentes.
Dilemas de Haddad
Fernando Haddad precisou adotar uma postura austera, buscar recompor receitas, conter gastos e reconstruir pontes com o mercado — tudo isso sob o peso de um legado explosivo.
O aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), anunciado pelo governo semana passada e ainda em discussão nessa semana, visa, entre outros objetivos, aumentar a arrecadação. Gerar receitas para implementar políticas públicas redistributivas, como, por exemplo, isenção de pagamento de imposto de renda para quem ganha até R$ 5000,00 mensais de renda bruta, a partir de janeiro de 2026, e ajudar a alcançar a meta fiscal de zerar o déficit primário. Não agradou o mercado financeiro. Não agradou o Congresso Nacional, que não foi consultado. Não agradou a mídia tradicional, presos na narrativa da cartilha “ortodoxa,” que domina o país há algumas décadas.
Em recente entrevista ao Boa Noite 247, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo apontou que a maior ameaça à democracia brasileira atualmente não vem de partidos ou lideranças da direita, mas sim do “mandonismo do mercado financeiro”. “O governo Lula está sitiado pelo poder do mercado financeiro”, completou.
De fato, tem uma outra forma de diminuir o déficit, quando o governo arrecada mais. E o governo arrecada mais quando o PIB cresce, aumentando a receita de impostos sem necessidade de aumentar alíquotas. A economia brasileira continua crescendo apesar da Selic de 14,75 % a.a., uma das maiores taxas de juros do Mundo e que baliza as demais taxas de juros do mercado. Surpreende gregos e troianos. Com essa taxa de juros, investimentos são inviabilizados. O dinheiro migra para o mercado financeiro. Quem vai direcionar dinheiro para produção real se pode, no bem bom, faturar uma fortuna como rentista? Ganhar como credor do governo a um risco quase zero? A alta do IOF pode restringir um pouco o crédito, mas a magnitude indecente da SELIC é o que nos sufoca. São cerca de 950 bilhões de reais por ano provocando contingenciamentos orçamentários na saúde, na educação, na segurança pública e nos programas sociais.
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